Dos livros, das sensações, das reações. A fruteira, os armários, os sapatos. Todos os documentos, as revistas e os recortes de colagem. Os desenhos antigos, os anseios, os medos e todos os pecados. Lembro com clareza do carpete vermelho carmim, das uvas de plástico, organizadas cirurgicamente em um belo recipiente que imitava ouro. Lembro da beleza do pão e da forma metódica de dispor os cálices de vinho nas bandejas. Sem perceber na época, fui atraído pela ordem, pela sequência de ações cuidadosamente coordenadas para dar significado, contar uma história e comunicar uma mensagem de forma fluente, como as águas de um rio.
Não estava completamente feliz nesses ritos que envolviam uma intensa carga de culpa e medo, mas hoje, já adulto, consigo separar as peças e ver beleza na metodologia e na sequência desse ritual. A abertura, os cânticos, e então, a distribuição dos pães e dos cálices. Tínhamos uma disposição de bancos em duas grandes colunas. Quatro obreiros se posicionavam na cabeceira das filas e aguardavam as bandejas, que passavam pelas mãos dos fiéis até chegar na ponta oposta. O movimento recomeçava na fila seguinte, e assim até o fim, ziguezagueando os objetos sagrados pelas fileiras.
Além das tensões espirituais, esse momento também era como uma corda bamba nas alturas para mim. Imaginava um desastre com todo aquele vinho caindo ao chão, ou atrasar a cadência dos guardiões, o que seria terrível para meus olhos viciados em sincronia. Às vezes eu pensava em outras formas de organizar esse momento sacro, em qual coreografia eu poderia desenhar para uma distribuição mais fluida e eficiente. Esse também é um grande ponto: acredito que toda dança pode ser lapidada; sempre há possibilidade para mais beleza e funcionalidade.
Quando penso em ordem de forma prática, lembro desses domingos mensais em que eu estava afogado em pavor e me deleitando pela metodologia da coordenação. Há beleza em tudo, isso é um fato, mas é necessário um tanto de intenção e concentração para encontrar. Ela se esconde na casualidade, não se mostra aos distraídos. Ode à arte e à ordem.